Voo - TP 425
Companhia - TAP-Trasportes Aéreos Portugueses
Aeronave - Boeing 727-282 (CS-TBR Sacadura Cabral)
Local - Final da Pista 26, Aeroporto Santa Catarina, Madeira
Rota - Bruxelas, Bélgica-Portela, Lisboa-Santa Catarina, Madeira, Portugal
Vítimas - 131 (125 passageiros e 6 tripulantes, sobreviveram 33 ocupantes)
A 19 de Novembro de 1977 às 21:48h, o voo TP425, proveniente de Bruxelas com 156 passageiros e 8 tripulantes a bordo, operado pelo Boeing “Sacadura Cabral” (registo CS-TBR) com capacidade para 189 passageiros, fazia-se à pista do Aeroporto de Santa Catarina sob chuva intensa e com fraca visibilidade pela terceira vez naquele dia.
A aeronave era um B.727-282ADV, versão 200 com capacidade para 189 passageiros e fabricada para a TAP (dai o código 82) e entregue 2 anos antes. Era um tri-reactor (com motores Pratt&Whitney JT8D), número 1096 da linha de produção. Ostentava o nome do pioneiro da aviação portuguesa, Sacadura Cabral, curiosamente falecido num acidente aéreo no Canal da Mancha. As cores da TAP eram ainda o branco e vermelho, a mudança para verde e vermelho seria para três anos mais tarde. Na altura ainda se lia "Transportes Aéreos Portugueses" ao longo da fuselagem.
O Comandante Lontrão era um novato na operação naquele complicado Aeroporto. Tinha ali feito o treino obrigatório 17 dias antes, cumprindo assim as normas de segurança da TAP quanto à Operação de novos Comandantes a operar no Funchal. Pilotos já com vários anos de experiência naquele tipo de avião. E com vários meses na função de Comandante, em voos para toda a Europa.
Devido às condições meteorológicas adversas e de duas tentativas de aterragem falhadas, o comandante João Costa Lontrão dispunha agora da sua última oportunidade, caso contrário o voo teria que divergir para o Aeroporto de Las Palmas de Gran Canária, a 400km de distância.
Essa última oportunidade revelou-se fatal, já que o avião aterrou muito para além do normal na curta pista do aeroporto, deslizou pelas águas acumuladas devido à chuva intensa (aquaplaning), saiu da pista e caiu em cima de uma ponte, uns metros mais abaixo. Com o impacto o avião partiu-se em dois, tendo ficado uma das partes em cima da ponte e a outra parte, que foi consumida pelas chamas, um pouco mais abaixo, na praia.
Este acidente vitimou 6 dos 8 tripulantes e 125 do total de 156 passageiros que estavam a bordo. No dia seguinte a cauda do avião foi pintada, ocultando assim o logótipo da companhia para evitar que o acidente desse origem a uma má imagem da companhia.
Após este acidente, o único com vítimas mortais da companhia TAP, a pista foi aumentada duas vezes e actualmente possui 2777 metros de comprimento, alguns deles conseguidos através de pilares construídos sobre o mar, num projecto cujo autor é o engenheiro Edgar Cardoso premiado mundialmente graças a essa obra de grande mestria.
DESCRIÇÃO DO ACIDENTE (publicado em rio dos bons sinais)
Naquele fatídico dia 19 de Novembro de 1977, o Comandante João Lontrão que descolara nessa manhã de Lisboa umas duas horas e meia antes, no Boeing B 727-200 CS-TBR, Sacadura Cabral, prepara-se agora para aterrar em Bruxelas.
Mas só o consegue fazer à segunda tentativa, devidos às más condições meteorológicas. Fazem uma escala técnica para reabastecimento e, já com novos passageiros, descolam num voo com destino a Lisboa e Funchal.
Em Lisboa fazem a terceira aproximação do dia e a segunda aterragem. E logo de seguida, com a maioria dos passageiros embarcados em Bruxelas e mais alguns entrados em Lisboa, no total 153 passageiros a bordo, a mesma tripulação faz a terceira descolagem do dia, rumo ao Funchal, aproximadamente à hora em que o Telejornal começava.
A Ilha tinha estado nas últimas horas sob fortes aguaceiros e com ventos cruzados, oriundos de Oeste. A pista de serviço, naquela noite, era a 24. Anos depois, com a rotação do eixo da pista, no primeiro prolongamento, foi rebaptizada com o Nº “23”, apontada, na Rosa dos Ventos, a 230º. A pista 24 tinha um ligeiro slope negativo ou seja, era “a descer”.
A aterragem mais comum no Aeroporto da Madeira, a dos ventos dominantes, é no sentido contrário, o da pista 05 - na altura “06”, com slope positivo, pista a subir ligeiramente. Por essa razão, toda a zona desta pista em que os aviões mais vezes aterravam, estava cheia da borracha desprendida dos pneus ao baterem no chão, ainda sem movimento de rotação, trocando a borracha que perdem no embate pelo rápido início do movimento circular das rodas, começando aqui a actuar o sistema de controlo automático da travagem, de seu nome ABS nos carros, Anti-Skid nos aviões.
O Comandante Lontrão, com a Ilha à sua direita mas ocultada naquela noite agreste pelos aguaceiros que não paravam, tenta a aterragem, autorizado pela Torre de Controlo. Tinha sido informado que a visibilidade melhorara.
Eram 21h24m, naquela noite de Outono a imitar um Inverno desbragado.
A aterragem estava eminente, com a pista ainda longe mas já à vista, os faróis do avião a iluminarem os grossos e contínuos pingos de chuva que pareciam riscos de luz, na horizontal. Embora exigisse um grande esforço, ainda para mais com uma tripulação já cansada, a caminho da quarta aproximação do dia, com 14 horas de trabalho consecutivo, o avião voava à procura daquele pequeno rectângulo de 1600m de comprido plantado num promontório escarpado que o mar cercava.
Noite de tempestade, de muitos aguaceiros, houve um que entretanto desabou fragorosamente mesmo à frente do B 727, tirando completamente a pista da frente dos olhos do Comandante Lontrão.
Impossível prosseguir às cegas. O avião ganha rapidamente altura, impulsionado pelos reactores entretanto accionados na máxima potência.
- Ai que barraca! A voz do Comandante fica gravada na caixa negra que regista todos os sons audíveis no cockpit.
- Só faltava esta! Diz o Co-Piloto Miguel Leal.
Seis minutos depois reiniciam os procedimentos para uma segunda aproximação, a quinta do dia.
- Ai a minha vida, que um gajo não ganha para isto! desabafa o Comandante, preocupado e certamente desejoso de um merecido descanso no Hotel Atlantis, ali mesmo ao lado, tão perto….
O Co-Piloto, manifestando também preocupação na condução do voo, pergunta ao Encarnação, o Técnico de Voo – o Mecânico de voo, encarregue da supervisão de todos os sistemas do avião no cockpit:
- Quanto “petróleo” temos? “Petróleo”, o calão aeronáutico que significa combustível.
- Temos seis toneladas responde o Técnico de Voo.
O suficiente para chegarem a Las Palmas, se não conseguissem aterrar. Era o Aeroporto alternativo oficial.
- Vamos aterrar agora diz o Comandante e assobia.
- Ok, estou a ver a pista! diz o Co-Piloto
O avião tem o Machico à direita mas voa através de muita chuva que volta novamente a cair com intensidade.
E a pista desaparece-lhes, novamente, da frente, já tão perto, afogada naquele aguaceiro que é cada vez mais intenso. Nada a fazer e o Comandante é obrigado a abortar a sua quinta aproximação feita naquele dia.
- Merda para isto! Diz o Comandante ao executar novamente o borrego, as manetes dos reactores empurradas com raiva para a frente, o nariz do avião a fugir daquele chão.
Que sabia esperar…
- Filho da polícia, merda de aguaceiro! Lamenta-se o Co-piloto
21h40m
- Queres tentar mais uma vez? Volta a falar, dirigindo-se ao Comandante
- Vou tentar.
- Filha da mãe, a pista estava tão boa e de repente desapareceu resmunga o Co-Piloto enquanto executa os procedimentos.
- Ai minha mãezinha continua ele a lamentar-se.
- Isto está quase diz o Comandante, calmo de novo.
- Obrigadinho… foi a resposta
Dirigindo-se à torre de controlo o Comandante diz que vai tentar uma última vez.
- Se não conseguir entrar desta vez, vamos para as Canárias.
- Isto é passageiro. Se ficar em espera talvez consiga aterrar nas calmas responde-lhe o Controlador de Tráfego Aéreo.
O Comandante João Lontrão pede nova informação da quantidade de combustível.
- Só temos para mais uma aproximação foi a resposta do Co-piloto
O que significava que tinham combustível para mais uma aproximação e se ela também falhasse, seriam então obrigados a voar para o Aeroporto alternativo, Las Palmas. Com o consequente acréscimo de tempo de trabalho. E é também, sempre, um grande incómodo para os passageiros.
- Ai Mouraria... lamento do João Lontrão.
Às 21h43m iniciam a terceira tentativa.
A terceira tentativa seguida, naquela noite no Funchal, sob fortes aguaceiros e ventos que sopravam a preencher toda a Rosa dos Ventos. A sexta aproximação que faziam naquele dia. Mais de 14 horas depois de se terem apresentado para o trabalho. E já no terceiro Aeroporto.
Entre os pilotos há uma espécie de regra, não escrita nem referida em manual nenhum, que diz que é perigoso tentar-se aterrar uma terceira vez consecutiva, no mesmo sítio, quando, por quaisquer razões, falham as duas primeiras. Cria-se uma espécie de fobia à má sina, de não se ter conseguido. “Mas agora é que eu vou conseguir!”. É uma motivação assassina que se pode criar…
- Agora vê-se a pista! diz o Comandante
- Aquele aguaceiro, há bocado, é que estragou tudo. Ok, também estou a vê-la. Filha de uma grandessíssima… novo lamento do Co-Piloto
21h45m
- Estou na final, vou aterrar.
- Ok, tudo calmo. Está autorizado a aterrar.
Ao passar a cabeceira da pista, o B 727 “Sacadura Cabral” está a 44’ de altura do chão, cerca de 13m e voa a 150 nós, aproximadamente 270km/h.
Pela observação dos registos da velocidade e direcção do vento, verificou-se nesse preciso momento uma rajada de vento de cauda que acelera o avião. A velocidade aumenta para 155 nós. E aqui o avião é empurrado num bailado de sobe e desce, por duas ou três vezes, consoante o vento mudava de direcção. O Comandante Lontrão tenta dominá-lo. Fazê-lo finalmente tocar a alagada pista.
Neste bailado final, o avião consumiu, ainda no ar, praticamente metade da pista. Cerca de 800 metros.
A velocidade regressa aos 150 nós e o avião toca, finalmente, naquele vasto lençol de água em que a pista se tinha tornado, incapaz de escoar tanto aguaceiro seguido.
O Comandante executa os normais procedimentos de aterragem, travões a fundo, spoilers armados – os freios aerodinâmicos que cortam toda a sustentação – motores em reverse. Mas o avião não consegue manter o alinhamento do eixo da pista.
Os registos de vento mostram que o avião continuou a sofrer rajadas ora de lado ora de cauda.
21h48m
Foi o momento da verdade.
Nada fazia parar aquele avião que deslizava, inerte, adormecido, nos últimos metros da pista.
Rolava agora naquela zona da pista que estava totalmente “contaminada” com a borracha polida e luzidia, deixada pelos aviões quando aterravam em sentido contrário – sentido dos ventos dominantes naquela pista – e ainda por cima sobre um vasto lençol de água que persistentemente se mantinha, sem escoamento possível pela sequência de tantos aguaceiros.
Pelo relato de um dos passageiros no vídeo da RTP que podem ver no final deste relato, parece que quando o avião tocou na pista os travões começaram a actuar normalmente, entrando logo de seguida na zona contaminada com a borracha. Sempre sobre um espesso lençol de água.
Pesado, veloz, incontrolável, aquele avião tornou-se, subitamente, numa armadilha mortal e quem ia no cockpit sabia o que se estava a passar. E qual o fim daquela aventura.
Desesperados agora, a morte mesmo ali, começam aos gritos que arrepiam quem ouve a gravação da caixa negra.
- Para a barreira! Para a barreira!
Gritam insistentemente o Co-Piloto e o Técnico de Voo, querendo referir-se ao lado direito da pista, evitando o pronunciado declive a seguir ao fim da pista.
Em silêncio, o Comandante nunca desiste e luta desesperadamente pela sua vida, pela vida de tantos que acreditam sempre, ao entrar num avião, que vão chegar em segurança.
Mas já irremediavelmente derrotado.
21h49
O avião deixa a pista, os faróis a apontar fixamente para o exacto local onde o Destino há tanto tempo esperava por eles…
Seis tripulantes e 125 passageiros voam, uma última vez, finalmente livres do seu corpo, para a Eternidade.
informação Wikipédia
informação Aviation Safety
informação Rio dos Bons Sinais
informação No Tempo dos Araújos
publicação Expresso
imagens Airliners
imagens do acidente Rio dos Bons Sinais
Foto Yrjo Makla, Airliners
A aeronave era um B.727-282ADV, versão 200 com capacidade para 189 passageiros e fabricada para a TAP (dai o código 82) e entregue 2 anos antes. Era um tri-reactor (com motores Pratt&Whitney JT8D), número 1096 da linha de produção. Ostentava o nome do pioneiro da aviação portuguesa, Sacadura Cabral, curiosamente falecido num acidente aéreo no Canal da Mancha. As cores da TAP eram ainda o branco e vermelho, a mudança para verde e vermelho seria para três anos mais tarde. Na altura ainda se lia "Transportes Aéreos Portugueses" ao longo da fuselagem.
O Comandante Lontrão era um novato na operação naquele complicado Aeroporto. Tinha ali feito o treino obrigatório 17 dias antes, cumprindo assim as normas de segurança da TAP quanto à Operação de novos Comandantes a operar no Funchal. Pilotos já com vários anos de experiência naquele tipo de avião. E com vários meses na função de Comandante, em voos para toda a Europa.
Devido às condições meteorológicas adversas e de duas tentativas de aterragem falhadas, o comandante João Costa Lontrão dispunha agora da sua última oportunidade, caso contrário o voo teria que divergir para o Aeroporto de Las Palmas de Gran Canária, a 400km de distância.
Essa última oportunidade revelou-se fatal, já que o avião aterrou muito para além do normal na curta pista do aeroporto, deslizou pelas águas acumuladas devido à chuva intensa (aquaplaning), saiu da pista e caiu em cima de uma ponte, uns metros mais abaixo. Com o impacto o avião partiu-se em dois, tendo ficado uma das partes em cima da ponte e a outra parte, que foi consumida pelas chamas, um pouco mais abaixo, na praia.
Este acidente vitimou 6 dos 8 tripulantes e 125 do total de 156 passageiros que estavam a bordo. No dia seguinte a cauda do avião foi pintada, ocultando assim o logótipo da companhia para evitar que o acidente desse origem a uma má imagem da companhia.
Após este acidente, o único com vítimas mortais da companhia TAP, a pista foi aumentada duas vezes e actualmente possui 2777 metros de comprimento, alguns deles conseguidos através de pilares construídos sobre o mar, num projecto cujo autor é o engenheiro Edgar Cardoso premiado mundialmente graças a essa obra de grande mestria.
DESCRIÇÃO DO ACIDENTE (publicado em rio dos bons sinais)
Naquele fatídico dia 19 de Novembro de 1977, o Comandante João Lontrão que descolara nessa manhã de Lisboa umas duas horas e meia antes, no Boeing B 727-200 CS-TBR, Sacadura Cabral, prepara-se agora para aterrar em Bruxelas.
Mas só o consegue fazer à segunda tentativa, devidos às más condições meteorológicas. Fazem uma escala técnica para reabastecimento e, já com novos passageiros, descolam num voo com destino a Lisboa e Funchal.
Em Lisboa fazem a terceira aproximação do dia e a segunda aterragem. E logo de seguida, com a maioria dos passageiros embarcados em Bruxelas e mais alguns entrados em Lisboa, no total 153 passageiros a bordo, a mesma tripulação faz a terceira descolagem do dia, rumo ao Funchal, aproximadamente à hora em que o Telejornal começava.
A Ilha tinha estado nas últimas horas sob fortes aguaceiros e com ventos cruzados, oriundos de Oeste. A pista de serviço, naquela noite, era a 24. Anos depois, com a rotação do eixo da pista, no primeiro prolongamento, foi rebaptizada com o Nº “23”, apontada, na Rosa dos Ventos, a 230º. A pista 24 tinha um ligeiro slope negativo ou seja, era “a descer”.
A aterragem mais comum no Aeroporto da Madeira, a dos ventos dominantes, é no sentido contrário, o da pista 05 - na altura “06”, com slope positivo, pista a subir ligeiramente. Por essa razão, toda a zona desta pista em que os aviões mais vezes aterravam, estava cheia da borracha desprendida dos pneus ao baterem no chão, ainda sem movimento de rotação, trocando a borracha que perdem no embate pelo rápido início do movimento circular das rodas, começando aqui a actuar o sistema de controlo automático da travagem, de seu nome ABS nos carros, Anti-Skid nos aviões.
O Comandante Lontrão, com a Ilha à sua direita mas ocultada naquela noite agreste pelos aguaceiros que não paravam, tenta a aterragem, autorizado pela Torre de Controlo. Tinha sido informado que a visibilidade melhorara.
Eram 21h24m, naquela noite de Outono a imitar um Inverno desbragado.
A aterragem estava eminente, com a pista ainda longe mas já à vista, os faróis do avião a iluminarem os grossos e contínuos pingos de chuva que pareciam riscos de luz, na horizontal. Embora exigisse um grande esforço, ainda para mais com uma tripulação já cansada, a caminho da quarta aproximação do dia, com 14 horas de trabalho consecutivo, o avião voava à procura daquele pequeno rectângulo de 1600m de comprido plantado num promontório escarpado que o mar cercava.
Noite de tempestade, de muitos aguaceiros, houve um que entretanto desabou fragorosamente mesmo à frente do B 727, tirando completamente a pista da frente dos olhos do Comandante Lontrão.
Impossível prosseguir às cegas. O avião ganha rapidamente altura, impulsionado pelos reactores entretanto accionados na máxima potência.
- Ai que barraca! A voz do Comandante fica gravada na caixa negra que regista todos os sons audíveis no cockpit.
- Só faltava esta! Diz o Co-Piloto Miguel Leal.
Seis minutos depois reiniciam os procedimentos para uma segunda aproximação, a quinta do dia.
- Ai a minha vida, que um gajo não ganha para isto! desabafa o Comandante, preocupado e certamente desejoso de um merecido descanso no Hotel Atlantis, ali mesmo ao lado, tão perto….
O Co-Piloto, manifestando também preocupação na condução do voo, pergunta ao Encarnação, o Técnico de Voo – o Mecânico de voo, encarregue da supervisão de todos os sistemas do avião no cockpit:
- Quanto “petróleo” temos? “Petróleo”, o calão aeronáutico que significa combustível.
- Temos seis toneladas responde o Técnico de Voo.
O suficiente para chegarem a Las Palmas, se não conseguissem aterrar. Era o Aeroporto alternativo oficial.
- Vamos aterrar agora diz o Comandante e assobia.
- Ok, estou a ver a pista! diz o Co-Piloto
O avião tem o Machico à direita mas voa através de muita chuva que volta novamente a cair com intensidade.
E a pista desaparece-lhes, novamente, da frente, já tão perto, afogada naquele aguaceiro que é cada vez mais intenso. Nada a fazer e o Comandante é obrigado a abortar a sua quinta aproximação feita naquele dia.
- Merda para isto! Diz o Comandante ao executar novamente o borrego, as manetes dos reactores empurradas com raiva para a frente, o nariz do avião a fugir daquele chão.
Que sabia esperar…
- Filho da polícia, merda de aguaceiro! Lamenta-se o Co-piloto
21h40m
- Queres tentar mais uma vez? Volta a falar, dirigindo-se ao Comandante
- Vou tentar.
- Filha da mãe, a pista estava tão boa e de repente desapareceu resmunga o Co-Piloto enquanto executa os procedimentos.
- Ai minha mãezinha continua ele a lamentar-se.
- Isto está quase diz o Comandante, calmo de novo.
- Obrigadinho… foi a resposta
Dirigindo-se à torre de controlo o Comandante diz que vai tentar uma última vez.
- Se não conseguir entrar desta vez, vamos para as Canárias.
- Isto é passageiro. Se ficar em espera talvez consiga aterrar nas calmas responde-lhe o Controlador de Tráfego Aéreo.
O Comandante João Lontrão pede nova informação da quantidade de combustível.
- Só temos para mais uma aproximação foi a resposta do Co-piloto
O que significava que tinham combustível para mais uma aproximação e se ela também falhasse, seriam então obrigados a voar para o Aeroporto alternativo, Las Palmas. Com o consequente acréscimo de tempo de trabalho. E é também, sempre, um grande incómodo para os passageiros.
- Ai Mouraria... lamento do João Lontrão.
Às 21h43m iniciam a terceira tentativa.
A terceira tentativa seguida, naquela noite no Funchal, sob fortes aguaceiros e ventos que sopravam a preencher toda a Rosa dos Ventos. A sexta aproximação que faziam naquele dia. Mais de 14 horas depois de se terem apresentado para o trabalho. E já no terceiro Aeroporto.
Entre os pilotos há uma espécie de regra, não escrita nem referida em manual nenhum, que diz que é perigoso tentar-se aterrar uma terceira vez consecutiva, no mesmo sítio, quando, por quaisquer razões, falham as duas primeiras. Cria-se uma espécie de fobia à má sina, de não se ter conseguido. “Mas agora é que eu vou conseguir!”. É uma motivação assassina que se pode criar…
- Agora vê-se a pista! diz o Comandante
- Aquele aguaceiro, há bocado, é que estragou tudo. Ok, também estou a vê-la. Filha de uma grandessíssima… novo lamento do Co-Piloto
21h45m
- Estou na final, vou aterrar.
- Ok, tudo calmo. Está autorizado a aterrar.
Ao passar a cabeceira da pista, o B 727 “Sacadura Cabral” está a 44’ de altura do chão, cerca de 13m e voa a 150 nós, aproximadamente 270km/h.
Pela observação dos registos da velocidade e direcção do vento, verificou-se nesse preciso momento uma rajada de vento de cauda que acelera o avião. A velocidade aumenta para 155 nós. E aqui o avião é empurrado num bailado de sobe e desce, por duas ou três vezes, consoante o vento mudava de direcção. O Comandante Lontrão tenta dominá-lo. Fazê-lo finalmente tocar a alagada pista.
Neste bailado final, o avião consumiu, ainda no ar, praticamente metade da pista. Cerca de 800 metros.
A velocidade regressa aos 150 nós e o avião toca, finalmente, naquele vasto lençol de água em que a pista se tinha tornado, incapaz de escoar tanto aguaceiro seguido.
O Comandante executa os normais procedimentos de aterragem, travões a fundo, spoilers armados – os freios aerodinâmicos que cortam toda a sustentação – motores em reverse. Mas o avião não consegue manter o alinhamento do eixo da pista.
Os registos de vento mostram que o avião continuou a sofrer rajadas ora de lado ora de cauda.
21h48m
Foi o momento da verdade.
Nada fazia parar aquele avião que deslizava, inerte, adormecido, nos últimos metros da pista.
Rolava agora naquela zona da pista que estava totalmente “contaminada” com a borracha polida e luzidia, deixada pelos aviões quando aterravam em sentido contrário – sentido dos ventos dominantes naquela pista – e ainda por cima sobre um vasto lençol de água que persistentemente se mantinha, sem escoamento possível pela sequência de tantos aguaceiros.
Pelo relato de um dos passageiros no vídeo da RTP que podem ver no final deste relato, parece que quando o avião tocou na pista os travões começaram a actuar normalmente, entrando logo de seguida na zona contaminada com a borracha. Sempre sobre um espesso lençol de água.
Pesado, veloz, incontrolável, aquele avião tornou-se, subitamente, numa armadilha mortal e quem ia no cockpit sabia o que se estava a passar. E qual o fim daquela aventura.
Desesperados agora, a morte mesmo ali, começam aos gritos que arrepiam quem ouve a gravação da caixa negra.
- Para a barreira! Para a barreira!
Gritam insistentemente o Co-Piloto e o Técnico de Voo, querendo referir-se ao lado direito da pista, evitando o pronunciado declive a seguir ao fim da pista.
Em silêncio, o Comandante nunca desiste e luta desesperadamente pela sua vida, pela vida de tantos que acreditam sempre, ao entrar num avião, que vão chegar em segurança.
Mas já irremediavelmente derrotado.
21h49
O avião deixa a pista, os faróis a apontar fixamente para o exacto local onde o Destino há tanto tempo esperava por eles…
Seis tripulantes e 125 passageiros voam, uma última vez, finalmente livres do seu corpo, para a Eternidade.
informação Wikipédia
informação Aviation Safety
informação Rio dos Bons Sinais
informação No Tempo dos Araújos
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imagens do acidente Rio dos Bons Sinais
Foto Yrjo Makla, Airliners
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